quinta-feira, 1 de março de 2012

Jesus fundou uma Igreja?




Introdução
Muitas pessoas se perguntam sobre a origem da igreja Católica.E sempre as perguntas são: Jesus fundou uma Igreja? É a igreja Católica a primeira e a verdadeira? A princípio não é fácil responder a essas perguntas. É preciso que os ouvintes tenham de antemão alguma compreensão de teologia bíblica; tenha algum conhecimento da história das sociedades antigas, sobretudo do império romano. Também é preciso humildade e clareza para compreender as informações e saber interpretá-las.
Creio eu, que tendo acesso as informações e essa abertura de mente é possível uma resposta de forma humilde, sem pré-juizo de faltar com a verdade em detrimento de calorosas falácias e antigas rivalidades. Então, vamos a uma possível resposta, com base em alguns livros e documentos da Igreja Católica.
Jesus e a pregação do Reino
É preciso que em primeiro lugar, tenhamos a compreensão de quando Jesus iniciou sua pregação não tinha a pretensão de formar um povo, uma religião ou coisa assim. De modo algum. Ele sendo de cultura judaica, religião judaica e assíduo leitor e seguidor das Escrituras, como qualquer judeu, esperava ele, a vinda do Reino de Deus; o Julgamento sobre o povo de sua raça; conforme as expectativas messiânico-apocalíptica do seu tempo (cf. Mt 10, 5-10ss; 15, 23-24s), e em consonância com toda uma expectativa e tradição do Antigo Testamento.
Segundo os teólogos e exegetas, por exemplo, Schillebeeckx, J. Jeremias, entre outros… Jesus tinha a exata noção em si mesmo de que Deus estava agindo naquele contexto e circunstâncias e, que ele mesmo, Jesus, era portador da ação de Deus para o seu povo, Israel. Sua ação foi de alertar o povo, chamá-lo para a conversão/comunhão com Deus (cf. Mt 4, 17). Sua práxis gerou conflitos, sobretudo com os religiosos dirigentes da nação, e esses mesmos dirigentes do povo trataram de o eliminar do meio de sua gente (cf. Lc 19, 47-48; Mt 26, 1-5; Mc, 14, 1-2; At 2, 22-24). Jesus pregava o Reino, morreu pela causa de Deus, mas Deus mesmo o ressuscitou. Jesus morreu por causa do Reino, não por ter dividido ou criado um povo, seita ou coisa assim. Em nenhum texto do Novo Testamento se encontra a informação de que em vida Jesus teria iniciado um novo povo ou até mesmo incitado à divisão sua gente. Naquele contexto, enraizado na cultura judaica, era impossível.
O despertar da consciência missionária e a acolhida dos pagãos: fundação das comunidades
A Igreja com consciência de ser um povo novo só apareceu muito mais tarde. E para isso, o primeiro passo foi a partir do momento histórico em que os discípulos obtiveram a consciência da pregação missionária (Schillebeeckx, 2008) (cf. Mateus 28, 16-20; 18,18-20; Atos 1-2). Provavelmente, pouco tempo depois do evento da ressurreição. É com a pregação missionária apostólica que nasce a primitiva comunidade cristã dos seguidores de Jesus, de modo embrionário. No momento em que essa pregação acolhe também os não judeus (cf. At 10), é que a comunidade vai crescendo. Também vai aparecendo os primeiros problemas, conflitos que gera discussões e diálogos, dando forma, substância e consciência a Comunidade como movimento aberto, do ressuscitado. Em pouco mais de vinte, trinta anos, judeus, prosélitos e tementes a Deus advindos de todas as partes do Oriente e da Ásia (cf. At 2, 5-13s) já formam um povo, uma Igreja considerável. E aí os conflitos (cf. At 15, 6-21) se acentuam. No centro desses conflitos e da fundação das comunidades está sem dúvidas o trabalho de São Paulo. Seus escritos nos mostram uma consciência já bem mais refinada e de certa forma amadurecida com respostas firmes sobre a identidade, natureza e missão do novo povo, do novo movimento, da nova igreja. A partir das cartas, como por exemplo, aos Gálatas e Romanos, é possível perceber a forma como chegaram a essa consciência missionária e da compreensão de um novo povo, a luz dos textos do Primeiro Testamento e do fato-evento Jesus Ressuscitado.
Dessa compreensão (AT e Jesus Ressuscitado) é que nasce às comunidades-igrejas como novo povo de Deus na linha de um plano universal, onde nesse plano cabiam todas as nações, povos, raças e línguas (cf. Mt 28,16-20; At 1-2). Tudo isso, evidentemente, não foi isento de conflitos e que você pode encontrar nos estudos bíblicos.
Católica: universal
Durante todo período do primeiro milênio houve uma expansão das comunidades cristãs por todo mundo conhecido. A igreja chegou com sua pregação às culturas em sua grande maioria urbana (Mesters: 1991). As comunidades fundadas reconheciam a igreja de Jerusalém como Mãe; e eram igrejas muito livres na sua vida e dinâmica interna. A Igreja na Europa, por exemplo, está dentro desse contexto de pregação apostólica e nasceu ainda estando alguns dos apóstolos vivos. Ela nasceu da pregação apostólica, dos próprios apóstolos. E, por todo canto já se conhecia os seguidores de Jesus como “cristãos” (cf. At 11,25-26). Antes, era dito “… o Caminho.” (cf. At 2,1-2ss). Entretanto a comunidade cristã só teve o nome de “Católica” (palavra grega que significa Universal) – Igreja Católica, provavelmente a partir do ano 110.
Foi santo Inácio de Antioquia (que possivelmente conheceu a são Paulo e ao apóstolo/evangelista são João) que escrevendo aos cristãos de Esmirnas disse: “[...] A comunidade se reúne onde estiver o bispo e onde está Jesus Cristo está a Igreja Católica…” (Carta aos Esmirnenses. Texto extraido do livro: Antologia dos Santos Padres. Editora Paulus.1985. Autor: Cirilo Folch Gomes.osb. Pág. 43. ). É a partir desse momento que os cristãos recebem de uma vez por todas um segundo nome: Católicos.
Com a divisão de 1.054 duas tradições diversas se impõe: Católicos romanos e ortodoxos
Apesar das crises, da existência de movimentos gnósticos no seio das igrejas, não havia uma separação do movimento em sua totalidade, isso só veio acontecer em 1.054, e que teve um impacto muito grande até os dias de hoje. Naquele tempo, o Império estava passando por fortes crises políticas. As comunidades estavam organizadas em Patriarcados (Ex.: Gregos, Romenos, Sérvios, Sírios, Russos, Búlgaros, Jerusalém, Latinos) e se respeitavam mutuamente como Igrejas-irmãs. Cada qual tinha seus ritos e costumes próprios. A Igreja de Roma tinha a “precedência da Caridade”. Isto significa dizer que, ela era respeitada e ouvida pelas demais, e tinha maior responsabilidade, contudo, não detinha poder sobre as outras. Essa precedência tinha razão de ser, sobretudo porque os apóstolos Pedro e Paulo eram considerados (e são até hoje) as colunas da igreja e foram mortos martirizados em Roma.
É dentro do contexto político conflituoso do Sacro Império Romano, por volta do ano mil, que no Ocidente (nós) a Igreja Romana detinha a hegemonia, e enquanto do lado Oriental (eles), era o Patriarcado de Constantinopla. Por questões políticas (peço que estude a história desse período), e por questões internas das igrejas, de ordem teológico-cultural, é que em 1.054 acontece a divisão. É aí, que segundo a opinião de alguns populares, “nasce” por assim dizer, a Igreja Católica Apostólica Romana; e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, nos moldes como a conhecemos hoje.
Talvez seja a esse fato, que alguns aludem, para justificar sua idéia de que a Igreja Romana não tenha sido a “primeira” e não pode ter para si o “direito” de ser portadora da salvação em detrimento das demais, entre as quais, estão os Protestantes. Então, creio eu, que tais fundamentos são muito evasivos e precisam de melhor contundência, ademais, sugiro aos meus ouvintes e internautas que se acerquem de um estudo teológico sério, histórico e de forma bem aberto e ecumênico. Quanto a cerca dessa questão, não entraremos no seu mérito, pois, não é esse o objetivo desse artigo e, além do mais, creio eu, já expus bastantes elementos para uma resposta e que também se constitui de elementos para um aprofundamento.
Quanto às duas formas de vivencia do Cristianismo podemos ainda acrescentar o seguinte: No Ocidente predominou os Romanos, no Oriente, os Ortodoxos. Porém, essa divisão que durou todo o segundo milênio só veio terminar quando em 1965 (Vaticano II) o papa Paulo VI (07/12/1965) retirou a excomunhão sobre o Oriente e vice-versa. Hoje já existe um grande avanço de convivência e comunhão fraterna, outra forma de pensar e agir, confira por exemplo reportagens e documentos recentes sobre essa questão.
Conclusão
Se percebemos de forma sutil a história do Cristianismo como um todo, aquela que mais tarde foi cognominada de Igreja Católica Romana, não nasceu “primeiro” como dizem algumas vozes, e nem de um certo “depois”,  “segundamente” como provavelmente pensam alguns por ai, mas, ela se insere dentro do mesmo e único movimento missionário apostólico e por isso mesmo é reconhecida e pode dizer de si mesma “Igreja Católica Apostólica Romana” tanto quanto aquelas que, mais tarde, também cognominaram “Igreja Católica Apostólica Ortodoxa”. No decorrer dos séculos cada uma teve sua própria história, sua própria organização, sua própria compreensão teológica e bíblica. Para nós Romanos, a Ortodoxa, segundo o Concílio Vaticano II, faz parte do patrimônio divinamente revelado (OE 1).
Quanto a Igreja Protestante (1517) vale dizer que, em 31 de outubro de 1998, na mesma faculdade em que Martinho Lutero expôs suas 95 teses, na Alemanha, o papa beato João Paulo II retirou da parte Católica a ex-comunhão sobre ele, Lutero e os luteranos; e, por sua vez, o representante da Igreja Luterana fez o mesmo, criando assim uma possível relação de comunhão entre essas duas poções do Povo de Deus.
Tudo isso me leva a crer, opinião particular, que a Igreja de Jesus enquanto Povo de Deus é uma só, porém, com diversos rostos e tradições de características próprias adquiridas no conflituoso processo histórico das sociedades em que estão inseridas. E por assim serem, são distintas uma da outra, cada qual com suas próprias formas de estarem no mundo, de se organizarem, de crer e celebrar. Um povo diversificado, porém, uma única Igreja de Cristo, que como dizia os antigos, tem na histórica igreja e no bispo de Roma, sua precedência.
É isso aí. Peço que consulte os seguintes livros, usados neste artigo:
1. Pierrard. Pierre. História da Igreja. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.
2. Cechinato. Pe. Luiz. Os 20 séculos da caminhada da Igreja. Petrópolis-RJ: Vozes, 1996.
3. Frederico. Frei Vier, ofm., Kloppenburg. Frei Boaventura,ofm. Compêndio do Vaticano II – Constituições, Decretos, Declarações. Petrópolis-RJ: Vozes, 1987.
4. Folch. Gomes, Cirilo, Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Edições Paulinas, 1979.
5. Jeremias. Joachim. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008.
6. Schillebeeckx. Edward. Jesus a história de um vivente. São Paulo: Editora Paulus, 2008.
7. Mester. Frei Carlos. Paulo Apóstolo – um trabalhador que anuncia o Evangelho. São Paulo: Editora Paulus, 2008.
8. Comblin, José. Cristãos rumo ao século XXI – nova caminhada de libertação. São Paulo: Editora Paulus, 1996.
9. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Vozes, 1993.
10. Biblia de Jerusalém. Editora: Paulus, 2002.

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