“Senhor, tende piedade de nós. Estamos fartos do desprezo dos soberbos” (Sl 122, 3-4)
Leitura: Ezequiel 2, 2-5; Salmo 122 (123); 2 Coríntios 12, 7-10; marcos 6, 1-6.
Situando-nos
A comunidade se reúne para celebrar a
festa da vida que vence a morte, ouvindo a Palavra e repartindo o pão
eucarístico. Ao celebrar a Eucaristia, oferecemos a Deus os frutos da
semana e viemos nos reabastecer para seguir na missão. A liturgia é o
“cume para onde converge toda a ação da Igreja e a fonte de onde emana
toda a sua força” (SC, n. 10).
A Palavra de Deus toca na vocação, no
chamado recebido pelos profetas, pelos apóstolos, pelos discípulos e por
todos nós aqui reunidos, para sermos enviados na força do Espírito
Santo.
Mais uma vez, somos convidados a passar
da morte par aa vida e realizar a vontade do pai e a fazer memória da
páscoa do Senhor, que experimentou a rejeição dos eu povo em sua terra
natal, e ainda continua rejeitando em tantas pessoas marginalizadas e
excluídas da vida social, mesmo em nossas comunidades.
Recordando a Palavra
Encontramos Jesus em sua terra natal,
acompanhado pelos discípulos. Pela última vez, vai à sinagoga no sábado,
conforme o costume do seu povo. Como adulto, tem o direito de usar da
palavra e aproveitar para ensinar. Há grande interesse em ouvi-lo.
Muitos o imaginam todo-poderoso, investido de poderes políticos
especiais. Mas o conteúdo de sua fala causa perplexidade porque todos o
conhecem como um simples homem, um carpinteiro, parente e familiar de
seus vizinhos e amigos.
Jesus logo percebe o que baila e suas
cabeças e declara com certa tristeza: “um profeta só é desprezado em sua
terra”. Com esta afirmação, se apresenta como profeta, explícita a que
veio e declara o enviado pelo Pai para visitar o mundo, trazer-nos a
salvação e oferecer vida em plenitude.
É contraditório que, no início da missão
na Galileia, tenha sido aceito com entusiasmo pela multidão que ouvia a
Boa Nova, sobretudo os pobres e doentes. mas sofre rejeição em sua
terra natal, por parte de seus familiares e vizinhos. Seus conterrâneos
esperavam por um messias forte e dominador e não podiam imaginá-lo
simples carpinteiro e filho de Maria.
O que e extraordinário em Jesus-Messias é
o fato de em nada ser diferente da pessoa humana comum: sua encarnação.
O Filho de Deus se fez como qualquer um de nós, inseriu-se na história
de seu povo, onde aprendeu e cresceu em humanidade.
A primeira leitura mostra que Deus
sempre envia profeta para nos chamar à conversão, mesmo quando não
queremos escutá-lo. A atividade de Ezequiel pode ser situada ente
593-571 a.C., período de dificuldades e sofriemntos para o povo de Deus,
exilado na Babilônia. Em ambiente difícil e hostil, Ezequiel precisa
manter a lucidez profética. Sua missão é dramática: está junto ao povo,
mas não apra dizer palavras agradáveis. É chamado de “filho do homem”, o
que significa que pertence à frágil raça humana. Ele nada mais é que
homem, um servo.
Ezequiel, caído, prostrado como todo
povo exilado, recebe o espírito de profeta que o põe de pé e lhe permite
discernir, em meio a situação difícil e obscuras, o que Deus fala.
Gostando ou não, deve ser porta-voz de Deus. profeta não é diplomata.
Sua missão tem duplo sabor: experimenta a doçura do mel qu8e brota da
Palavra de Deus, mas esta mesma Palavra lhe causa amargura. Deve
proclamá-la,s endo aceita ou não, oportuna ou inoportunamente, mesmo
rejeitado.
Ser profeta é pôr em risco a própria
vida. Para ele, não há elogios nem aplausos. O exílio não foi fruto do
acaso, como não o é a miséria, a dependência e a opressão em que vive o
povo hoje. O sofrimento de muitos era responsabilidade da elite que
também se encontrava na Babilônia: a “nação de rebeldes, filhos de
cabeça dura e coração de pedra”. Ela se torna surda aos apelos que Deus
faz por meio de Ezequiel. mesmo sem ser ouvido, o profeta é um sinal de
que Deus não abandona seu povo.
O Salmo 122 (123), expressa do povo
farto do sofrimento e do desprezo, é um poema de confiança íntima,
terna, profunda e cheia de humildade em Deus. É a oração do servidor
esmagado e humilhado pelo sarcasmo dos arrogantes e pelo desprezo dos
soberbos, mas cujos olhos se fixam nas mãos de Deus, junto do qual sabe
que encontrará piedade. É a oração dos peregrinos em marcha para a
pátria definitiva e que, no meio das inseguranças da vida, levantam os
olhos para Deus que habita nos céus, para o Senhor que é sua esperança,
sua luz e sua glória.
A segunda leitura mostra quem ampara o
discípulo de Jesus em sua missão. Paulo experimenta um “espinho na
carne”; conflito que acompanham quem segue Jesus; resistências que
encontra dentro e ao redor de si mesmo. E, ainda dentro, a pessoa se
sente repleta de fraqueza e de necessidades. por outro lado, há os
conflitos que vêm de fora: “fraquezas, injúrias, perseguições e
angústias sofridas por amor de Cristo”.
”A você, basta a minha graça”. Nasce,
assim, uma espiritualidade do conflito, uma mística que descobre Deus
não no sucesso, mas justamente no aparente fracasso de pessoas e
projetos, pois o próprio Deus se manifestou vitorioso no suposto
fracasso de Jesus na cruz. É uma presença que é graça, força, dinamismo.
“Quando sou fraco, então é que sou forte”, porque o que o ampara na
missão é a graça de Deus.
ATUALIZANDO A PALAVRA
Jesus foi rejeitado porque se
apresentou como um trabalhador que cresceu em Nazaré ao lado de
parentes, amigos e conhecidos. Seus conterrâneos não descobriram nele
nada de extraordinário que o identificasse com o Messias de Deus. mas o
extraordinário está justamente aí: no fato de não ter nada que possa
diferir da condição humana comum.
O Filho de Deus se fez como qualquer um
de nós. Muitos afirmam que não creem porque não veem. Os conterrâneos de
Jesus não creem justamente porque veem Jesus trabalhador, o filho de
Maria, um homem do povo, que não frequentou nenhuma escola superior, um
homem que vem de Nazaré, lugarejo insignificante. O escândalo da
encarnação do Evangelho na realidade do povo.
A Palavra de Deus nos faz um apelo: não
depositar nossa confiança nos grandes. Também não precisamos ter medo de
nossa pequenez e fraqueza. Na trajetória de Jesus, o maior fracasso se
transforma em vitória e ressurreição. junto a Ele, há lugar para os
fracos. Em Cristo, somos fortes.
Jesus fica admirado com a falta de fé
das pessoas de sua terra, as quais não acreditam que Deus possa falar
através de pessoas simples. A Palavra de Deus se reveste de roupagem
humana e vem a nós com o auxílio da história e de pessoas frágeis,
enviadas por Ele.
A fraqueza humana dos enviados por Deus
cria um espaço de liberdade, quem ouve pode decidir a favor ou contra.
Às vezes, gostaríamos que Deus se revelasse mediante atos maravilhosos
e, assim, evitaríamos o trabalho de discernir quando e por meio de quem
Deus se revela.
Jesus se fez servo e, por isso, entra
em choque com os que preferem o privilégio e o poder. A encarnação
continua nos questionando e nos empurrando para a missão junto aos
marginalizados e enfraquecidos.
Neste ano de eleições municipais, é
preciso saber distinguir os poderosos que se revestem de aparente
humildade para manipular e enganar o povo, em proveito próprio. É muito
comum, também entre nos, considerar o poderoso como único capaz de
realizar algo pelo povo.
O Documento de Puebla nos fala do
“potencial evangelizador dos pobres”. O que podem nos dizer os pobres,
os deficientes de nosso país? Aceitamos a revelação de Deus vinda na
fraqueza de nossos irmãos e irmãs, na simplicidade do dia a dia?
LIGANDO A PALAVRA COM A AÇÃO EUCARÍSITICA
Jesus de Nazaré foi motivo de escândalo
para os que o viram só com olhos humanos. para quem não quer crer, Ele
nada revela. Mas a nós, aqui reunidos na fé, Ele se revela em toda sua
profundidade. Ele é tão grande que supera toda expectativa, a ponto de
estar no meio de nós como alimento e bebida. Para quem não crê, isto não
deixa de ser um escândalo.
A Palavra de Deus nos convida a renovar
nossa adesão a Jesus, consagrando-nos mais generosamente á causa do
Reino. Essa nossa profissão de fé nos leva a confirmar que seguimos
aquele que foi rejeitado por ser trabalhador, filho de Maria, uma pessoa
comum de seu tempo, vindo de uma aldeia e, por isso, motivo de desprezo
e rejeição.
Movidos por essa fé, reunimo-nos em
assembleia onde, pela sua Palavra, Jesus nos leva a assumir nossa
evidente fragilidade,s em precisar mascará-las com falsa grandeza, e a
busca em sua graça a nossa força. Hoje, particularmente, nossas preces
precisam expressar essa realidade.
Acima de qualquer expectativa humana, o
Senhor manifesta sua grandeza na singeleza do pão e do vinho, frutos da
terra e do nosso trabalho, na simplicidade da partilha, Ele nos
confirma nos eu caminho. É em nossa fraqueza que Deus continua
manifestando sua força.
Nenhum comentário:
Postar um comentário